2 de novembro de 2014

O Direito, o Correio Electrónico e a Matemática…

O Direito não sendo uma ciência exacta, não deixa de ser uma Ciência. Como tal, deve ser estudado com metodologia e com recurso a técnicas de interpretação e integração das normas no sistema em que vigora, como um todo e não isoladamente.

Volvidos que estão 60 dias sobre o denominado “Crash do Citius”, atrevo-me a partilhar um ensaio sobre a admissibilidade do correio electrónico no âmbito do processo civil. O ensaio é o resultado de uma análise ao sistema jurídico português e na amplitude das regras do processo civil, que não vigoram numa ilha, isoladas do mundo jurídico que o rodeia e envolve.


Como ponto de partida, devemos ter presente a redacção do artigo 144º do Código de Processo Civil que estabelece as formas de apresentação a juízo das peças processuais, que estatui como regra que “os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição”.



Deste modo, o actual CPC estabelece como regra a transmissão electrónica de dados para a prática dos actos processuais das partes, sendo que essa transmissão será regulada por diploma próprio.

Actualmente, é a Portaria 280/2013 que define a forma de comunicação electrónica de dados para a prática de actos processuais pelas partes. No âmbito desta portaria, a comunicação electrónica deve ser feita – de forma exclusiva – através da plataforma electrónica CITIUS, em endereço electrónico devidamente definido.

Esta é, sem dúvida, a regra!

Mas existem excepções!

Desde logo, o CPC estabelece a excepção para a prática de actos de causa que “não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada”.

Nestes casos, o CPC estabelece que os actos processuais podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
“a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respectiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efectivação do respectivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.”

Para além da excepção estabelecida para as causas não patrocinadas por mandatário judicial, o CPC estabelece também uma excepção para as situações em haja justo impedimento para a prática do acto por tramitação electrónica pelo mandatário. Neste caso, pode o mandatário recorrer às formas de apresentação estabelecidas para a prática de actos processuais por partes não representadas em juízo por mandatário, ou seja, as formas anteriormente referidas nas als. a), b) e c).

Ora, no conhecido contexto de inacessibilidade do sistema informático Citius, não restou outra opção aos mandatários que não fosse o recurso a estas vias para poderem praticar, em tempo e forma oportuna, os actos processuais que, in casu, se impunham.
Mas podiam os mandatários, no contexto de indisponibilidade da plataforma Citius, praticar os actos, remetendo as peças processuais a juízo por meio de envio por correio electrónico para os tribunais?

À primeira vista, dir-se-ia que não.

Contudo, devemos ter presente o sistema jurídico vigente, de uma forma alargada e não olvidar a vigência do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, que aprovou o regime dos documentos electrónicos e da assinatura digital, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril.

Para além do contexto deste normativo – que de uma forma muito relevante vem conferir força probatória aos documentos electrónicos que tenham apostas assinaturas digitais, equiparando-os aos documentos escritos que tenham apostas assinaturas autógrafas –, importa aqui sublinhar o estatuído no número 3 do artigo 6º desse diploma, sob a epígrafe “comunicação de documentos electrónicos”:

A comunicação do documento electrónico, ao qual seja aposta assinatura electrónica qualificada, por meio de telecomunicações que assegure a efectiva recepção equivale à remessa por via postal registada e, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de recepção”.

Neste contexto, vigora no nosso normativo uma equiparação legal da comunicação electrónica com a aposição de assinatura digital à comunicação postal, equivalendo a comunicação de documento electrónico à remessa por via postal registada quando esteja assegurada a sua efectiva recepção.

Deste modo – e desde que assegurada a efectiva recepção da comunicação – somos impelidos a concluir que a comunicação de documento electrónico, acompanhado da assinatura digital e assegurada que esteja a recepção da mensagem, equivale à remessa por via postal registada, nos termos e para os efeitos do estatuído na alínea b) do n.º 7 do artigo 144º do CPC.

Num exercício matemático e lógico, diríamos o seguinte:

  • As partes podem apresentar as suas peças a juízo por meio de remessa por correio registado;
  • O documento electrónico, ao qual seja aposta assinatura digital qualificada, e seja assegurada a efectiva recepção é equiparado, em termos de força probatória e valor jurídico, à remessa por via postal registada;
  • Logo, deverá ser admitido a juízo o documento electrónico remetido a tribunal por correio electrónico, quando esteja aposta assinatura digital avançada e assegurada a recepção da mensagem de comunicação.



Pois bem: a questão que se parece ser mais difícil de assegurar é a efectiva recepção da mensagem pelo destinatário. Contudo, é muito simples desmistificar este “pseudo-problema”, porquanto se o emissor solicitar, nas opções de envio da sua mensagem, recibo de entrega, os servidores dos Tribunais (Ministério da Justiça) retornarão, de forma automática e quase imediata, a necessária comunicação de recepção da mensagem enviada.

Ora, uma vez recebida mensagem de recepção no endereço de destino, está equiparado o envio da mensagem de correio electrónico ao envio por remessa postal, com registo, prevista no normativo processual português.

E assim, de uma forma fundamentada, séria, mas simples e eficaz, fica demonstrada a possibilidade de prática de actos processuais através do recurso ao correio electrónico no âmbito do processo civil vigente.

Naturalmente, que no Direito não é uma ciência exacta... mas o exercício que aqui se propõe é de lógica matemática e interpretação normativa, como impõe, aliás, os instrumentos de aplicação do Direito à Prática, buscando a Verdade, a Eficácia e Justiça!



Nota final: para que não fiquem confusões, a tese supra defendida não implica o envio da MDDE (Marca Do Dia Electrónica), porquanto esta apenas certifica e garante a data e hora do envio e não permite certificar a efectiva recepção.

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