13 de janeiro de 2011

Jurisprudência: Consulta de processo via Citius

Não consigo vislumbrar muito claramente porque é que a última alteração à Portaria n.º 114/2008 (Portaria 471/2010) retirou do âmbito de aplicação da regulamentação do "processo civil electrónico" os processos de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo (alteração ao artigo 2º al. a)), mas ao que parece essa redução do âmbito acaba por justificar a seguinte jurisprudência:


Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-01-2010:


O acesso à consulta do processo de promoção e protecção por via do CITIUS
O superior interesse do menor, na ponderação da medida de promoção e protecção 
1. Segundo os nº 1 e 4 do artigo 88º do Dec.-Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, o processo de promoção e protecção reveste carácter reservado, o que não obsta a que a criança ou jovem possam consultar o processo através do seu advogado ou pessoalmente se o juiz autorizar, atendendo à sua maturidade, capacidade de compreensão e natureza dos factos.
2. A natureza reservada do processo de promoção e protecção de menores tem em vista garantir, para além da protecção da identidade dos adoptantes e dos pais naturais do adoptando, uma forte protecção da intimidade, do direito à imagem e da reserva da vida privada do menor.
3. Tal nível de protecção não se pode traduzir num obstáculo ao acesso do advogado do menor aos elementos do processo, mormente os de natureza probatória, em que se alicerçou ou se possa alicerçar a convicção do tribunal.
4. Porém, não será lícita uma consulta aberta e ilimitada por via da aplicação informática CITIUS, não obstante esta se traduzir numa maior facilidade de acesso, na medida em que esta não permita fazer o controlo judicial do acesso aos elementos do processo, em especial quanto à extracção das respectivas cópias.
5. Os direitos de defesa ficarão suficientemente garantidos pela consulta física dos autos pelas partes e seus advogados, nas condições previstas na lei, e pela obtenção discriminada e especialmente autorizada de certidões dos elementos relevantes para a organização da defesa, desde que não se imponham razões ponderosas de reserva que contrariem tal obtenção. 
6. O superior interesse do menor requer a assunção consciente e séria das responsabilidades parentais, no sentido de esperar dos pais os comportamentos e atitudes que lhes sejam razoavelmente exigíveis em função das suas condições económico-sociais e do seu nível cultural.
7. Não se mostra adequado a acautelar aquele interesse um quadro familiar desfuncionalizado, praticamente desestruturado, que não oferece as garantias mínimas de proporcionar ao menor um ambiente familiar sadio e afectivo, que lhe permita uma boa estruturação da personalidade e a dar seguimento ao bom desenvolvimento que já conseguiu ao longo da sua institucionalização. 
(sumário do Relator)


Até aceitando o argumento do "superior interesse da criança", não considero aceitável e compreensível que o sistema electrónico disponível não permita, no mínimo, o processamento das entregas, ainda que o processo ficasse sobre a capa de uma "reserva" impedindo as partes de consultar o conteúdo do processo, como, aliás, sucede no âmbito das providências cautelares.


Se bem que no que respeita às providências cautelares não consiga compreender porque é que não ficam disponíveis para a parte que a origina, porquanto quanto a essa parte o processo não reveste, salvo melhor opinião, qualquer carácter reservado...


Já no que respeita ao processo de execução - e havendo um qualquer acto (mero requerimento para junção de procuração forense, por exemplo) por parte do mandatário do executado - o processo acaba por ficar "escancarado", nomeadamente sendo exibidas e todas as comunicações que, por meio do Citius, sejam realizadas entre o exequente e o agente de execução...

... às vezes (mas só às vezes) quedo-me a pensar se quem trabalha no desenvolvimento destas aplicações está suficientemente sensibilizado para esta e tantas outras questões... esperemos que sim e que o apregoado Citius Plus venha colmatar todos estes "buracos".

2 comentários:

Unknown disse...

As peças processuais apenas estão disponiveis para as matérias Civel, Familia e Trabalho, não para áreas Penal e Menores. Isto resulta do artº 2º da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, o que quer dizer que a aplicação permite o envio de peças processuais para todos os tipos de processo dentro destas áreas processuais, independentemente de ser ou não possivel aceder-se ao processo (por exemplo as providências cautelares, as adopções, as entregas de menor, etc). No entanto os processos tutelares educativos já estão fora desta aplicação.
As pessoas que têm até à data desenvolvido estas aplicações, como é do conhecimento publico, são oficiais de justiça com uma vasta experiencia e conhecimento em todas as matérias que correm os tribunais comuns portugueses. Tive até o privilégio de conhecer alguns. Não é certamente por eles que as correcções e/ou alterações se deixarão de fazer. Assim os deixem trabalhar.
Bem haja.

Rui Maurício disse...

Caro José,
Efectivamente é como refere quanto ao âmbito de aplicação da Portaria. O que acontece e comentei é que houve um recuo legislativo no que concerne à ENTREGA das peças processuais nos processos tutelares educativos.

O que não entendo...

Também não entendo as incongruências que permanecem no sistema e que apontei.

Bem sei e reconheço (aliás, acho que temos todos que reconhecer) o mérito do esforço daqueles que desenvolvem estas aplicações, mormente os oficiais de justiça que estão na génese do mesmo.

Contudo, questiono-no-me se um sistema de Justiça deve estar à mercê dos conhecimentos de uns (oficiais) ou de outros (informáticos), ou se, antes, não deveria estar sob a tutela colectiva dos diversos profissionais que estão envolvidos no processo.

A verdade (verdadinha) é que os oficiais de justiça não conhecem o Citius - Mandatários ou o Citius - Magistrados, os Mandatários não conhecem o Habilus ou Citius Magistrados e os Magistrados igualmente desconhecem as ferramentas usadas pelos outros profissionais...

... Conduzindo esse desconhecimento, por vezes, a naturais e evidentes incongruências, incoerências e até deficiências e, outras vezes - como tenho aqui tentado mostrar - dando lugar a jurisprudência que tenta colmatar algumas falhas, muito embora nem sempre o caminho seja o mais desejado.

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