Tem sido sinuosa, lenta e nem sempre eficaz a cruzada de modernização da Justiça em Portugal. Sendo um processo que implica um avultado e contínuo investimento, também é certo – ou deveria ser pelo menos consabido – que o sucesso das medidas de modernização também depende da sua humanização, ou seja, também dependem fortemente do envolvimento dos diversos intervenientes no processo judicial e da sua formação.
A disponibilização da ferramenta CITIUS, em inícios de 2008 para os Advogados e em 2009 para Magistrados Judiciais foi – e será – um marco histórico inegável no processo de modernização da Justiça Portuguesa: seja, por um lado, porque veio dar uma resposta eficiente a certas necessidades até então inultrapassadas pela utilização de outros instrumentos tecnológicos (como foi o caso do correio electrónico com assinatura digital e a MDDE, enquanto meio de validação cronológica), seja, por outro lado, pela polémica mediática gerada em torno dessa ferramenta.
Longe de ser uma ferramenta concluída, o CITIUS é uma plataforma essencial no dia-a-dia dos Advogados e dos Magistrados. “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”!
A plataforma CITIUS é a ferramenta que se tornou o principal banco de ensaio para a modernização e desmaterialização do processo civil, dando actualmente resposta a uma série de necessidades que, no que respeita aos Advogados, se tornam mais práticas, céleres e económicas: entrega de peças processuais e documentos, o pagamento das custas judiciais, a consulta dos documentos, as notificações electrónicas, a consulta de agendamentos, etc.
Falta, porém, ainda percorrer um longo caminho para atingir um estádio mais “pleno”, por assim dizer. Estádio esse que será, por certo, sempre incompleto e se subsumirá a mais um patamar no aperfeiçoamento e modernização do processo electrónico.
Podem ser assinaladas, desde já, algumas desejadas alterações e ampliações:
- Desde logo, tem que ser salvaguardada, através de certificação digital, a ferramenta das notificações electrónicas pelas secretarias judiciais que, de forma invariável, fazem aparecer notificações com datas de elaboração anteriores à data em que efectivamente foram disponibilizadas aos mandatários;
- Por outro lado, seria desejável a integração de um leitor/reprodutor de media (media player), integrado na plataforma, que permitisse ouvir a documentação da prova registada em audiência pelo sistema electrónico Cícero, sem necessidade de solicitação de suporte em CD;
- Nesta senda, desejável também seria que se procedesse ao registo vídeo dos depoimentos prestados por vídeo-conferência e, a jusante, também de toda a audiência (com a respectiva alteração processual necessária), devendo estes registo ficar disponíveis para consulta no leitor/reprodutor de media integrado;
- Anseia-se a ampliação das regras vigentes no processo civil ao processo penal, mormente no que respeita à prática dos actos processuais pelas partes;
- Será também necessário que o CITIUS evolua no sentido de permitir a consulta dos processos pelo Cidadão e, eventualmente, até criar um canal de comunicação entre este e as secretarias, nomeadamente para prestar algumas informações ou esclarecimentos (não processuais);
- Do mesmo modo, é necessário – e cada vez mais urgente – que a plataforma CITIUS – Mandatários deixe de ser focada no “Advogado” enquanto e evolua para um patamar de “Utilizadores” em que o Advogado (ou Sociedade de Advogados) que tem o poder sobre o processo (mandato conferido) possa gerir os utilizadores com acesso ao processo. Isto é particularmente útil para definir níveis de utilização: para os administrativos que preenchem formulários, para os estagiários e advogados juniores nas sociedades que preparam as peças e a sua submissão electrónica e pela assinatura digital final por quem tem a direcção efectiva do mandato.
Ora, o actual CITIUS – Mandatários está preso a uma cultura de Advogado ou Advogados “donos” do processo. Isto não faz sentido e leva a que haja uma utilização inusitada e indesejada dos códigos de acesso e, em particular, das assinaturas digitais dentro dos escritórios de advogados. A este propósito, é, pois, pertinente sublinhar a relevância legal da assinatura digital e do seu efeito probatório e confrontar com a “leviandade” geral da utilização dos certificados por uma série de colaboradores do mandatário que dirige o processo.
Há, assim, que reflectir sobre a adequação da plataforma à realidade e evoluir para um estádio mais seguro e ao mesmo tempo mais responsabilizante, pois integrará efectivamente os utilizadores que de uma forma ou outra vão interagindo com o processo, ainda que não sejam esses utilizadores que efectivamente praticam os actos no processo.
- Outra das medidas por que se poderá clamar é a criação/disponibilização de certidões de decisões digitais – a par do que já foi feito com a criação das certidões permanentes no registo comercial, predial e, mais recentemente, civil – colocando-se cobro à necessidade de se proceder ao translado (que é efectuado em papel) e subsequente digitalização do mesmo para submissão do título executivo pelo CITIUS, nos casos em que a acção executiva não corra por apenso.
Em termos gerais, estas poderão ser algumas das ideias a considerar no futuro do de modernização e desmaterialização do processo.
Contudo, será e é sempre necessário que a implementação de alterações seja cada vez mais aberta, integrando os profissionais nos processos prévios de análise das necessidades e procedimentos, associando esta fase prévia à formação continua posterior à implementação das alterações, particularmente daquelas que revolucionam os procedimentos tradicionais consolidados ao longo de anos, senão mesmo décadas de prática processual forense.
O processo formativo deverá ser contínuo, ocorrer sobre diversas formas e metodologias, seja através da realização de sessões públicas de apresentação das novidades, seja através da realização de conferências e workshops práticas de formação, seja através da disponibilização de conteúdos, vídeos, manuais e demais documentação em suporte digital de acesso fácil e integrado em base de dados de conhecimento (knowledge base system).
A par do processo formativo é necessário reforçar e melhorar os canais de suporte tecnológico e técnico junto dos profissionais, nomeadamente criar mais e melhores canais de comunicação que permitam suprir as dificuldades de utilização e reporte de erros, com célere feed-back e adequada linguagem e informação para o utilizador.
Neste sentido, não haverá grande dúvida sobre o longo caminho que ainda há a percorrer e que podemos e devemos esperar mais no processo de modernização da Justiça. Mas registemos a data de 6 de Fevereiro de 2008 como um marco de viragem neste complexo processo de mudança: a disponibilização do CITIUS – Mandatário Judiciais e a regulamentação da entrega de peças processuais no âmbito do processo civil através de uma plataforma tecnológica disponibilizada e acessível na Internet!
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