O Direito
não sendo uma ciência exacta, não deixa de ser uma Ciência. Como tal, deve ser
estudado com metodologia e com recurso a técnicas de interpretação e integração
das normas no sistema em que vigora, como um todo e não isoladamente.
Volvidos que
estão 60 dias sobre o denominado “Crash
do Citius”, atrevo-me a partilhar um ensaio sobre a admissibilidade do
correio electrónico no âmbito do processo civil. O ensaio é o resultado de uma
análise ao sistema jurídico português e na amplitude das regras do processo
civil, que não vigoram numa ilha, isoladas do mundo jurídico que o rodeia e
envolve.
Como ponto de partida, devemos ter presente a redacção do artigo
144º do Código de Processo Civil que estabelece as formas de apresentação a
juízo das peças processuais, que estatui como regra que “os atos
processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados
a juízo por transmissão eletrónica de
dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo
como data da prática do ato processual a da respetiva expedição”.
Deste modo, o actual CPC estabelece
como regra a transmissão electrónica de dados para a prática dos actos
processuais das partes, sendo que essa transmissão será regulada por diploma próprio.
Actualmente, é a Portaria 280/2013
que define a forma de comunicação electrónica de dados para a prática de actos
processuais pelas partes. No âmbito desta portaria, a comunicação electrónica
deve ser feita – de forma exclusiva – através da plataforma electrónica CITIUS,
em endereço electrónico devidamente definido.
Esta é, sem dúvida, a regra!
Mas existem excepções!
Desde logo, o CPC estabelece a
excepção para a prática de actos de causa que “não importe a constituição de
mandatário, e a parte não esteja patrocinada”.
Nestes casos, o CPC estabelece que os
actos processuais podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
“a) Entrega na secretaria judicial,
valendo como data da prática do ato processual a da respectiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo,
valendo como data da prática do ato processual a da efectivação do respectivo
registo postal;
c) Envio através de telecópia,
valendo como data da prática do ato processual a da expedição.”
Para além da excepção estabelecida
para as causas não patrocinadas por mandatário judicial, o CPC estabelece
também uma excepção para as situações em haja justo impedimento para a prática
do acto por tramitação electrónica pelo mandatário. Neste caso, pode o
mandatário recorrer às formas de apresentação estabelecidas para a prática de
actos processuais por partes não representadas em juízo por mandatário, ou
seja, as formas anteriormente referidas nas als. a), b) e c).
Ora, no conhecido contexto de
inacessibilidade do sistema informático Citius, não restou outra opção aos
mandatários que não fosse o recurso a estas vias para poderem praticar, em
tempo e forma oportuna, os actos processuais que, in casu, se impunham.
Mas podiam os mandatários, no
contexto de indisponibilidade da plataforma Citius, praticar os actos,
remetendo as peças processuais a juízo por meio de envio por correio
electrónico para os tribunais?
À primeira vista, dir-se-ia que não.
Contudo, devemos ter presente o
sistema jurídico vigente, de uma forma alargada e não olvidar a vigência do
Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, que aprovou o regime dos documentos
electrónicos e da assinatura digital, na redacção conferida pelo Decreto-Lei
n.º 62/2003, de 3 de Abril.
Para além do contexto deste normativo
– que de uma forma muito relevante vem conferir força probatória aos documentos
electrónicos que tenham apostas assinaturas digitais, equiparando-os aos
documentos escritos que tenham apostas assinaturas autógrafas –, importa aqui
sublinhar o estatuído no número 3 do artigo 6º desse diploma, sob a epígrafe “comunicação de documentos electrónicos”:
“A
comunicação do documento electrónico, ao qual seja aposta assinatura electrónica qualificada, por meio de telecomunicações que assegure a efectiva recepção
equivale à remessa por via postal registada e, se a recepção for
comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário
que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com
aviso de recepção”.
Neste contexto, vigora no nosso
normativo uma equiparação legal da comunicação electrónica com a aposição de
assinatura digital à comunicação postal, equivalendo a comunicação de documento
electrónico à remessa por via postal registada quando esteja assegurada a sua
efectiva recepção.
Deste modo – e desde que assegurada a
efectiva recepção da comunicação – somos impelidos a concluir que a comunicação
de documento electrónico, acompanhado da assinatura digital e assegurada que
esteja a recepção da mensagem, equivale à remessa por via postal registada, nos
termos e para os efeitos do estatuído na alínea b) do n.º 7 do artigo 144º do
CPC.
Num exercício matemático e lógico, diríamos
o seguinte:
- As partes podem apresentar as suas peças a juízo por meio de remessa por correio registado;
- O documento electrónico, ao qual seja aposta assinatura digital qualificada, e seja assegurada a efectiva recepção é equiparado, em termos de força probatória e valor jurídico, à remessa por via postal registada;
- Logo, deverá ser admitido a juízo o documento electrónico remetido a tribunal por correio electrónico, quando esteja aposta assinatura digital avançada e assegurada a recepção da mensagem de comunicação.
Pois
bem: a
questão que se parece ser mais difícil de assegurar é a efectiva recepção da mensagem pelo destinatário. Contudo, é muito
simples desmistificar este “pseudo-problema”, porquanto se o emissor solicitar,
nas opções de envio da sua mensagem, recibo
de entrega, os servidores dos Tribunais (Ministério da Justiça) retornarão,
de forma automática e quase imediata, a necessária comunicação de recepção da
mensagem enviada.
Ora, uma vez recebida mensagem de
recepção no endereço de destino, está equiparado o envio da mensagem de correio
electrónico ao envio por remessa postal, com registo, prevista no normativo
processual português.
E assim, de uma forma fundamentada,
séria, mas simples e eficaz, fica demonstrada a possibilidade de prática de
actos processuais através do recurso ao correio electrónico no âmbito do
processo civil vigente.
Naturalmente, que no Direito não é uma ciência exacta... mas o exercício que aqui se propõe é de lógica matemática e interpretação normativa, como impõe, aliás, os instrumentos de aplicação do Direito à Prática, buscando a Verdade, a Eficácia e Justiça!
Nota final: para que não fiquem
confusões, a tese supra defendida não implica o envio da MDDE (Marca Do Dia
Electrónica), porquanto esta apenas certifica e garante a data e hora do envio
e não permite certificar a efectiva recepção.
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