Por aqui o "estado de Citius" perdura há mais de 4 anos, mas sem alarmes nem pânicos desmesurados...
É pois buscando a calma que se assiste, consternadamente, aos acontecimentos dos últimos dias com a plataforma Citius que dá suporte e vida à realidade judiciária portuguesa.
O que está a acontecer não é (não devia ser) novidade para ninguém. Desde longa data que as limitações do Citius são conhecidas e estão devidamente documentadas, como vem agora ilustrado na notícia a que o Observador deu cobertura.
Na tentativa de encontrar alguma serenidade, numa questão que aflige operadores judiciários e atinge (quiça de "morte") o modelo das políticas de Justiça em Portugal, haverá que encontrar caminhos construtivos e soluções que almejam a reposição de uma situação, senão melhor, pelo menos igual à que existia antes da entrada em vigor do novo mapa judiciário.
Dando corpo e força a vozes e apelos que se fazem soar pelas redes sociais e nos media, impõe-se com urgência um regime de suspensão excepcional da prática de actos judiciais.
A reforma do Mapa Judiciário
constitui uma inevitável medida na modernização da Justiça e na sua adequação
aos tempos actuais, seja em razão das conhecidas contingências económicas,
sejam razão do redimensionamento geofísico das pessoas relativamente às
realidades que as rodeiam. Na verdade, a reforma da organização judiciária era
uma constante dos programas eleitorais dos governos que se sucederam desde, pelo
menos, o início do Século, tendo sempre em comum a necessidade da redução de
custos, optimização de meios, crescente especialização e, bem assim, adequação
tecnológica num sector em que o primado do papel e da burocracia teima em
prevalecer.
Contudo, assistimos desde o final
do mês de Agosto a um caricato, mas deprimente, espectáculo na implementação no
novo Mapa Judiciário, que entrou em vigor – teoricamente (e só teoricamente) –
no passado dia 1 de Setembro. Centenas, ou até milhares, de fotografias e vídeos
circulam nas redes sociais e nos media colocando a nú a confusão e a
desorganização que impera na movimentação de mais de 3.000.000 de processos
para as novas comarcas. A par deste inevitável transporte de processos,
assistimos à indisponibilidade da plataforma de tramitação processual existente
nos tribunais (Habilus/Citius) durante o período que superou em muito o
anunciado.
Na verdade, e muito embora a
plataforma tenha ficado com o acesso disponível, muitos dos processos
permanecem afectos às instâncias extintas e aguardam o processamento técnico de
redistribuição. Outros – embora já redistribuídos – não permitem a consulta de
documentos (que se encontram invariavelmente indisponíveis) ou impedem (com
mensagens de erro de processamento final) a prática do acto por via electrónica
– nos termos que, aliás, o novo Código de Processo Civil impõe como obrigatório
aos advogados.
Ora, está bom de ver que algo
falhou – e muito – na implementação da reforma do novo mapa judiciário,
independentemente da discussão da bondade e qualidade desta reforma. E falhou
porque o planeamento da sua implementação foi deficiente. E falhou porque não
estiveram envolvidos os profissionais necessários, nem porventura foram
disponibilizados os meios suficientes para uma adequada implementação das
alterações que se impunham e impõem na nova organização judiciária.
Fora do debate político da
reforma da organização judiciária do País, impunha-se que desde logo que tudo
se tivesse feito para que a reforma do Código de Processo Civil tivesse
convergido com a reforma da organização judiciária e a modernização das
plataformas de tramitação electrónica dos processos. Pois bem: precipitou-se a
entrada em vigor do Código de Processo Civil em Setembro de 2013, impôs-se –
como marco político – a entrada em vigor no novo mapa judiciário para 1 de
Setembro de 2014 e deixou-se ao abandono a modernização das plataformas da
Justiça!
Recordemos, pois, que o actual
Ministério da Justiça foi perdendo, ao longo do tempo, os principais
prescritores da modernização tecnológica: no início de 2013, saiu “esgotado das
funções” o chefe de gabinete da Ministra da Justiça, Paula
Teixeira da Cruz; sucedeu-se demissão em bloco de 10 elementos da equipa
técnica que geria a aplicação informática dos tribunais; em Abril de 2014 são
recusadas todas as propostas apresentadas no âmbito do concurso público para o
novo Portal da Justiça, cuja previsão inicial de disponibilidade se previa para
o quarto trimestre de 2014, retardando-se todo o processo mais de 1 ano e meio;
por fim, sai do Gabinete do Secretário de Estado do Ministério da Justiça o
técnico especialista que chefiava os grupos de trabalho para a
criação do novo Portal da Justiça e para a plataforma de gestão interna dos
tribunais.
É, pois, num cenário de
“desfalque” técnico, ao nível das chefias e de altos responsáveis na
implementação das reformas em curso, que o Ministério da Justiça avança com a
nova organização judiciária.
A par deste contexto, digamos,
“humano”, o contexto técnico é altamente desfavorável, porquanto eram por
demais conhecidas as limitações técnicas das plataformas e das tecnologias em
uso, tendo-se abandonado anteriores projectos de modernização (como foi o caso
do Citius Plus, cujo plano de implementação estava na fase final aquando do fim
do Governo liderado por José Sócrates), com elevados prejuízos para o erário
público e implicando sucessivos retardamentos na implementação de soluções mais
modernas e adequadas ao contexto tecnológico que se foi sucedendo. Além das
limitações técnicas, a qualidade dos dados nas plataformas também merece
sentido crítico de especialistas, bem como são de há muito apontadas falhas de
segurança no sistema que vigora nos tribunais.
Estavam, pois, reunidas todas as
condições para que a migração – cuja complexidade técnica e sensibilidade dos
dados em causa é elevadíssima – corresse mal! E assim veio a suceder!
Na minha modesta opinião, o planeamento foi deficiente e não foram
acauteladas medidas que protejam os interesses e direitos dos Cidadãos, os
profissionais e, consequentemente, a Justiça. A dimensão da reforma implicava
uma melhor ponderação no impacto que iria ter e nos riscos que se corriam com a
sua implementação, devendo ter sido acautelada a suspensão dos prazos em
todos os processos não urgentes por um período razoável e suficiente.
A meu ver impõe-se que “em
momentos de emergência, impõem-se medidas de excepção" e justificar-se-ia urgente a
implementação de um sistema de ‘triagem’ inspirado quiçá no modelo de
Manchester que é utilizado no sistema de saúde, com reconhecido sucesso”. Neste
contexto, apenas processos categorizados como “emergentes” ou “muito urgentes”
teriam tratamento imediato, como seria o caso da generalidade das detenções em
flagrante delito, situações de emergência e perigo de crianças e menores em
risco e providências cautelares, por exemplo.
Ao Estado Português – e não
apenas ao Governo – impunha-se (e porventura ainda se impõe) que actue, fazendo
mão de mecanismos e prerrogativas constitucionais e legais que garantam a
efectividade e estabilidade do Estado de Direito, o que passa por medidas de excepção
que garantam a estabilidade dos órgãos de soberania que são os Tribunais e bem
assim dos profissionais e operadores judiciários, em benefício primeiro e
último dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
2 comentários:
Cachopos à frente dos destinos da nação....!!!!
Caro Dr. no "Prós e Contras" eliminou brilhantemente a arrogância do Secretário da Justiça. Parabéns! E citou questões concretas causadas pela "extinção" do Citius.Uma foi a ref. à "eliminação" do desconto na taxa de justiça pela entrega eletrónica das peças processuais; Mas os custos tb. aumentam com a entrega das peças em papel, com cópias destas, duplicados e documentos, que, via Citius não seria necessário. Mais as despesas postais, e ainda que via "e-mail" com a assinatura digital não será possível em muitos casos. Não tendo acesso via Citius aos processos que os mandatários têm em Tribunais pelo País, para os consultar restará deslocarem-se...Todos estes danos ainda não podem ser totalmente contabilizados. Mas, creio que o Estado (grave, pq. nos abrange a todos...)e o Governo, incluindo os membros responsáveis, podem e devem vir a ser responsabilizados civil e criminalmente por todos os danos causados. Até porque este Governo com toda a arrogância e teimosia, conseguiu "revogar" um dos fundamentais direitos Constitucionais, como o do acesso à Justiça !!! É um verdadeiro "golpe de Estado"!!! É urgente saber como e quando os Tribunais estarão a funcionar normalmente, quando o Citius voltará a estar a funcionar corretamente, respostas que o Governo e o Estado terão que dar urgentemente aos cidadãos, funcionários judiciais, juízes, M. do MP e advogados!
Muito mais haveria a dizer... Fica para uma próxima oportunidade.
Obrigado, V. Geada
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